(Enviado por e-mail pela Dra. Sandra Bellizzi)
Suicídio endógeno em cirurgia plástica
Evaldo A D'Assumpção - Belo Horizonte - MG
Durante longos anos a cirurgia plástica foi uma especialidade vista com grande respeito e admiração pelos médicos e pela população. Não só no Brasil como em todo o mundo.
Nascida do desejo de reconstruir pessoas mutiladas, seja por trauma, seja por doenças adquiridas, seja por malformações congênitas, a cirurgia plástica evoluiu para aquilo que hoje se chama impropriamente de cirurgia estética: um ramo da especialidade que seria voltada apenas para o embelezamento das pessoas.
Já tendo discutido esse assunto inúmeras vezes, nele não vamos nos deter. Apenas ressaltamos que NÃO existe uma cirurgia estética. Todas as cirurgias apresentadas sob essa denominação têm, no seu âmago, um componente reconstrutor. Se não do corpo, pelo menos da alma. Quem procura ficar com aparência mais jovem, ou ter seu nariz melhor delineado, ou levantar suas mamas caídas, ou ainda retirar nódulo acúmulos gordurosos localizados e inestéticos, não procura somente a beleza física, mas, sobretudo, uma restauração de seu interior, mutilado pela alteração de seu esquema corporal. Que pode ter acontecido pela ação do tempo, tanto quanto pelas condições ambientais, alimentares ou químicas (remédios, tabaco, álcool ou drogas).
Por outro lado, também as cirurgias chamadas de reparadoras ou reconstrutoras, têm sempre o seu lado estético. Não tratamos um queimado, nem um grave traumatismo de face, nem uma criança com fissura labial só pela reparação funcional. O verdadeiro cirurgião plástico cuida de tudo isso, mas sem perder de vista o aspecto estético que procurará restaurar da melhor maneira que lhe for possível.
Assim, poder-se-ia dizer: "cirurgia plástica com objetivos especialmente estéticos" e "cirurgia plástica com objetivos especialmente reparadores" onde um nunca exclui o outro.
Apesar de tudo, nos últimos tempos a cirurgia plástica tem abandonado a intimidade dos consultórios para se expor, quase sempre de modo ridículo e antiético, nas diversas formas da mídia, quase sempre num trabalho voraz de marketing, numa frenética garimpagem de novos clientes.
Com isso, o público leigo – e até a classe médica fora da especialidade – passa a ter, da cirurgia plástica, uma visão dessacralizada. Como se esse trabalho fosse apenas uma sucursal de salões de beleza. E, o que é muito pior, como alguma coisa sem maiores riscos ou limitações.
Em conseqüência, multiplicam-se os insucessos, as complicações, os maus resultados e os processos jurídicos contra cirurgiões plásticos. Alguns deles, sem dúvida bastante justos.
Contudo, uma das complicações mais desastrosas – a morte do paciente – por vezes nada tem a ver com a imperícia, imprudência ou a negligência do cirurgião. Mas, independentemente disso, seus efeitos negativos explodem com muito mais intensidade do que quando ocorre em outras especialidades.
Investigando outras áreas da literatura, especialmente a psicologia e a tanatologia, encontramos alguns dados que precisam ser mais bem conhecidos e, especialmente estudados em nossa especialidade. Trata-se daquilo que denominamos de "suicídio endógeno".
Shekelle e colaboradores, em trabalho publicado na revista "Psichosomatic Medicine", de abril de 1981, afirmam que depressão e sentimento de desesperança estão fortemente relacionados com o aparecimento de câncer, através de uma depressão do sistema imunitário do paciente, em nível de consciente profundo (o "inconsciente", de Freud). James Paget, que descreveu uma das formas mais comuns de câncer de mama, afirmava a mesma coisa, já em 1870.
Everson, na mesma publicação, porém em 1996, confirmou as pesquisas de Shekelle, afirmando que a desesperança é muito mais forte do que a depressão na ocorrência de suicídios.
Stephanie Simonton, colaboradora de Carl Simonton em seu livro "Com a vida de novo", afirma que: "Cada um de nós tem a sua participação na saúde e na doença, a todo o momento, através de nossas convicções, nossos sentimentos e nossas atitudes em relação a nossa vida".
Levando em conta a afirmação de Erich Fromm que dizia: "A mente é a benção e a maldição do ser humano", podemos imaginar o que pode acontecer quando uma pessoa, trazendo dentro de si e sem qualquer manifestação exterior, um elevado grau de desesperança diante dos problemas que enfrenta, se propõe a fazer uma cirurgia plástica. Geralmente um procedimento que, espera-se, seja o desejo de quem ama a vida e quer estar melhor consigo mesma para usufruí-la.
Contudo, desesperançada e, quem sabe deprimida, procura a cirurgia plástica para nela, durante ou após a cirurgia, bloquear internamente seus mecanismos de defesa e, com isso alcançar a morte de forma socialmente aceita e sem os traumas psicológicos e religiosos que poderia enfrentar ou deixar, numa tentativa de suicídio exógeno, clássico.
Por se tratar de mecanismos internos, não conscientes, esse comportamento pode passar despercebido à maioria dos cirurgiões plásticos, quase sempre mais preocupados com os aspectos estéticos, quem sabe com as condições físicas do paciente, e às vezes até mesmo com os bons resultados financeiros que poderão advir de seu trabalho.
Quantas mortes – e já acompanhamos algumas, ocorridas com pacientes de colegas – que ficaram sem uma explicação adequada, mas que trouxeram sofrimentos e grandes aborrecimentos para a família e especialmente para a equipe cirúrgica.
A essas mortes damos o nome de "suicídio endógeno". Que poderiam ser evitadas se o cirurgião plástico, em sua consulta inicial, procurasse investigar o estado emocional do seu paciente, em busca de razões para uma depressão ou, o que é pior, um estado de total desesperança, mascarado pelo desejo tão justo de querer melhorar seu aspecto físico.
Todo cirurgião plástico deve procurar ter uma boa formação em psicologia. Fica o alerta.
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